quarta-feira, 12 de maio de 2010

Desapropriações e etc

Longe dos olhos

Sétima etapa de revitalização é marcada pela polêmica retirada dos moradores do Pelourinho

Data: 01/04/2004

As ruas carregadas de história do Pelourinho voltam a ser palco da polêmica batalha entre os interesses do Estado, que vê na desapropriação das casas a única forma de conservar esse patrimônio tombado pela Unesco, e os da população residente na área, que, tendo ali seu local de trabalho e seu círculo de amigos, grita pela permanência no tão visitado Centro Histórico de Salvador. A polêmica não é nova, nasceu ainda em 1993, quando o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) deu início à primeira etapa do projeto de revitalização. Realimentada a cada fase realizada, a discussão foi herdada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano (Conder), que em 2002 deu os primeiros passos para a concretização da sétima etapa da reforma.

A novidade nesse caso é que o projeto apresentado ao governo federal para conseguir o aporte de recursos do programa Monumenta-BID prevê a manutenção dos moradores no local, o que pode ser confirmado no trecho transcrito do documento: "...neste processo não deve ser deixado de lado o elemento humano que ali vive e trabalha, exercendo as mais diversas atividades, como artistas, artesãos, grupos afro e capoeiristas que caracterizam a área". A postura estabelecida no projeto, no entanto, foi deixada de lado na hora de colocá-lo em prática, o que tem causado preocupação ao Crea. "A preservação do patrimônio é fundamental, mas não pode se sobrepor à preservação da vida", defende o presidente do Conselho, Marco Amigo, afirmando que a solução para garantir a manutenção dos benefícios obtidos com a reforma deve ser discutida com a população.

"O ocupante poderia assinar um contrato se comprometendo a usar o imóvel de acordo com as regras de preservação", aponta Amigo, complementando que, para isso, seria necessário um investimento maior por parte do governo estadual. A saída acelerada dos moradores tradicionais do Centro Histórico para o início das obras da sétima etapa da revitalização também chamou a atenção do Ministério Público, que instaurou um inquérito para apurar a condução do processo. "Detectamos que, na verdade, estavam pressionando as pessoas para receberem indenização ou serem relocadas para Coutos", explica o promotor de Justiça e Cidadania Lidivaldo Brito.

Desapropriação e despejo

Afirmando que 70% dos imóveis envolvidos na questão têm ação de despejo em andamento, a Conder garante que os proprietários interessados em reformar seus casarões e manter a posse terão a opção de fazê-lo mediante uma linha de financiamento incluída no próprio Monumenta. A posição mais flexível, contudo, só foi adotada após o MP iniciar as investigações e localizar dois proprietários legalmente comprovados que também tiveram seus imóveis listados no processo de desapropriação. A princípio, nenhuma proposta alternativa foi colocada para Maria Ivonete Silva Mota ou Elza Maria Farias de Morais, enquadradas entre os moradores locais que podem financiar em 15 anos os custos de reforma dos seus imóveis.

"A maioria dos proprietários aceita receber a desapropriação, o valor da indenização é estabelecido de acordo com os parâmetros do estado, mas quem discorda pode discutir em juízo", defende o assessor jurídico do órgão, Eduardo Carrera. O estado de degradação da própria construção e o contexto da localidade - "zona de prostituição, tráfico e jogo do bicho", diz Carrera - resultam em indenizações de baixo valor para imóveis igualmente desvalorizados. Segundo consta no relatório socioeconômico realizado pela Conder, as propriedades foram avaliadas entre R$1 mil a R$400 mil, com valor médio de R$40 mil.

Embora reconheça que, do ponto de vista legal, o governo não tenha qualquer obrigação com os muitos invasores que ocupam as casas do Centro Histórico, Brito ressalta que é preciso pensar também no lado humano. "Tem dois tipos de ocupantes, os que se dedicam ao tráfico e à prostituição, mas também tem outros, que moram lá há 20, 30 anos, e inclusive fizeram pequenas reformas nos seus imóveis, impedindo que eles se transformassem em ruínas". Concluído em junho de 2002, o inquérito forneceu subsídios para o ajuizamento da Ação Civil Pública 38.148-7/2002, que pleiteia uma liminar, ainda não concedida, contra o governo estadual e a Conder.

Patrimônio cultural

"Abrange tudo aquilo que permita compreender o homem e a sua cultura...". Citada no inquérito civil, a definição da arquiteta Elena Graeff para patrimônio cultural é a base de sustentação para a ação do MP em benefício da manutenção dos moradores no Centro Histórico. "Eles querem ver o suingue, o suor, a raiz do povo que está aqui, não querem ver aquela coisinha padronizada, a cultura é tudo aquilo que podemos ser", defende a presidente da Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico (Amach), Sandra Regina, afirmando que o governo se equivoca quanto aos pontos de interesse dos turistas que freqüentam o lugar.

"O Pelourinho nunca será propriamente uma atração turística, quem freqüenta são as pessoas de classe baixa. Os que chegam de fora olham e vão embora. As compras são feitas mesmo é no Mercado Modelo", contrapõe Carrera, contrariando a profusão de idiomas e sotaques ouvidos dia e noite nas ruas locais. Para o assessor da Conder, o maior problema é que cerca de 80% da população exerce atividades ilegais e ameaça a segurança das pessoas. "É conhecida como cracolândia e nenhum cidadão em sã consciência passa lá depois das 16h", fala sobre a 28 de Setembro, rua que abriga a sede da Amach.

O percentual indicado durante a entrevista é contestado pelo relatório socioeconômico elaborado pela própria Conder. Embora prevaleça o emprego informal e 36,2% dos moradores tenham um rendimento mensal inferior a um salário mínimo, a população local é formada basicamente de estudantes, biscateiros, empregadas domésticas, comerciários e ambulantes. Claro que alguns dados da pesquisa se confrontam com a realidade, como o fato de apenas 0,5% das 1.936 pessoas entrevistadas terem declarado viver da prostituição, quando a Associação das Prostitutas do Estado contabiliza 120 associadas na área da sétima etapa.

De acordo com o perfil econômico observado pela Conder, apenas 28 famílias teriam condições financeiras para integrar o programa habitacional previsto para esta etapa, o que significa renda entre dois e seis salários mínimos. A destinação dessas 360 unidades residenciais que serão construídas nos 130 imóveis que aguardam restauração mostra a faceta mais delicada dessa fase da revitalização. Para o promotor do MP, o fato de desapropriar para destinar a uma outra classe constitui uma limpeza social, o que é inaceitável. Por outro lado, o arquiteto Paulo Canuto, coordenador do Monumenta na Bahia, defende que, no caso do Pelourinho, a mudança das redes sociais é um efeito colateral inevitável, mas reconhece o sucesso de projetos como o realizado em Barcelona, nos quais a população original foi mantida. "Falta ao povo brasileiro a cultura de preservação da sua história e do seu patrimônio", argumenta.
Um exemplo geograficamente mais próximo é trazido por Brito, que cita a ação do Monumenta em Olinda. "O projeto baiano é o único do Brasil que exclui os moradores", afirma. Olhando de fora, o arquiteto Armando Branco acredita que a população saída do Centro Histórico - mediante pagamento de um auxílio-relocação de no máximo R$2,3 mil - acabará por voltar de uma outra forma, causando um novo problema. "A degradação social e imobiliária que já se espalha pelas ladeiras da Independência, da Palma e do Gravatá é um processo resultante das expulsões do Pelourinho".

Relocação

Os condomínios Moradas da Lagoa II e Jardim Valéria II já abrigam 20 famílias que aceitaram a relocação proposta pela Conder. Localizados nos bairros de Coutos e Valéria, os conjuntos habitacionais, que somam 750 casas, ainda não dispõem da infra-estrutura necessária para atender a população local. Falta delegacia, escola, posto de saúde e sobram reclamações. Além da dificuldade de transporte, o que mais incomoda os moradores é a falta de oportunidades de trabalho.

Um exemplo emblemático é o dos catadores de latinhas, que garantiam a sobrevivência ajudando a limpar as históricas ladeiras do Pelourinho e já não têm mais latas para catar. "Todas essas carências estão sendo anotadas e encaminhadas para atender não só os relocados, mas também os antigos moradores", afirma Canuto. Questionada quanto à previsibilidade dessas necessidades básicas, a Conder, através do seu assessor jurídico, apenas contrapõe que é preciso levar em conta a morosidade do estado.

Revitalização

Em 11 anos de projeto, 500 imóveis foram recuperados e R$70 milhões investidos. Apenas nas duas primeiras etapas, mais de 600 moradores foram retirados do local. Removidos para casas alugadas pelo Ipac durante a sexta etapa (1997), com a promessa de retorno breve, muitos moradores ainda não puderam voltar ao local.

Dos 115 imóveis incluídos na sexta etapa, 53 estão incompletos ou parados. Entre os que continuam sem reforma está o Forte de Santo Antônio Além do Carmo, construção do século XVII que funcionou como prisão.

Revitalização

Seminário de São Damaso
Igreja d´Ajuda
Capela da Ordem Terceira de São Francisco
Casa do Tesouro I e II
Casa dos Ste Candeeiros
Ruas: São Francisco, 7 de Novembro, Guedes de Brito, J. Seabra, Ruy Barbosa, do Tesouro, José Gonçalves, Saldanha da Gama, Monte Alverne e Ladeira da Praça.


Fonte:href="http://www.creaba.org.br/Artigo/203/Longe-dos-olhos.aspx">

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